Racionamento de energia, capacidade ou ambos. Similaridades, diferenças e desafios
06/07/2021 - CanalEnergia
O Brasil discute agora a possibilidade de gerenciar uma nova crise de energia, caso a mesma venha a se materializar. Trata-se de uma atitude prudente: é melhor prevenir do que remediar, mesmo que as probabilidades de crise ainda não sejam alarmantes.

Ao contrário de 2001, trata-se de uma crise com duas restrições: energia e capacidade. As lições de 2001 são muito importantes no que tange à administração de uma crise com restrição de energia, mas são de pouca aplicação – ou podem se tornar muito caras – se aplicadas ao gerenciamento de falta de capacidade de pico (“capacity constrained systems”)
Existe ampla literatura e identificação de melhores práticas internacionais para o gerenciamento de cada uma das crises, tomadas isoladamente. Contudo, existem poucas publicações que comparem e contrastem as crises de energia (tipicamente o Brasil em 2001), de capacidade (tipicamente Califórnia em 2001) ou ambas (África do Sul em 2008).

Este artigo é uma tentativa de trazer luz a esta diversidade de formas de gerenciamento. Não tem a pretensão de esgotar o assunto. E uma reflexão sobre minha experiência pessoal nestes três casos, em três diferentes posições: Brasil (como Abraceel), Califórnia (como Enron) e África do Sul (como Banco Mundial), com ênfase em intervenções no lado da demanda.

No que tange às medidas possíveis para uma crise de energia, pode-se considerar resposta da demanda por quantidade (por exemplo, cortes rotativos, redução de voltagem), persuasão moral, e preços. O racionamento no Brasil em 2001 foi uma combinação virtuosa destes dois últimos elementos, incluindo: (i) uma comunicação honesta e tempestiva que engajou a população; (ii) o sistema de quotas (negociáveis ou não) que deu os incentivos econômicos; e (iii) algumas salvaguardas, como proteção a consumidores de baixa renda e corte individual para infratores (haja vista que o sinal de preço era apenas aplicado na margem, e não para a totalidade do consumo). Os resultados deste pacto social vocês já sabem e foram muito bem documentados por Rockmann (2021) e Jabur (2001). Uma análise mais técnica pode ser encontrada em livro que José Rosenblatt, Mário Veiga e eu publicamos em 2005, sob os auspícios do Banco Mundial.

No que tange às medidas para uma crise de capacidade, o receituário é bem diferente. O que importa não é o total de energia economizada, mas quando ela é economizada. A Califórnia (ou mais genericamente a costa oeste americana) conseguiu uma boa resposta dos grandes clientes industriais que deslocaram suas produções para outras unidades fabris localizadas fora da região afetada, motivados por sinais de preço. Entretanto, quando a Califórnia tentou conceder incentivos via preços aos consumidores de menor porte, o custo se tornou extremamente elevado. Foi implementado um mecanismo chamado 20/20, o qual concedia um desconto de 20% para aqueles consumidores que atingissem uma redução de consumo (kWh) de 20%. O erro fatal foi que este mecanismo não foi granular o suficiente para transmitir o sinal de preço no momento de escassez (pico) e acabou premiando a redução de consumo fora de ponta. O custo do kW economizado atingiu US$276/kW.ano, sendo que a “segunda melhor” opção (usinas de ponta) teria custado US$55/kW.ano. Foi um exemplo de incentivos inadequados levando a resultados com um custo muito elevado. Em contraste, no caso brasileiro, o custo da energia racionada foi de US$ 7/MWh, enquanto que a “segunda melhor” opção – os cortes rotativos – teriam custado ao país entre US$ 150 a 300/MWh. Foi um exemplo de eficiência em termos de resultados e custos. A tabela que segue faz uma comparação entre as crises da Califórnia e do Brasil.


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