O poder da geração compartilhada para consolidação do Brasil como potência energética
05/07/2021 - CanalEnergia
O pequeno vilarejo agropecuário de Feldhein estava muito empobrecido depois da reunificação da Alemanha no início da década de 90 – o desemprego chegou a 30%. Um estudante, percebendo o potencial energético, econômico e social de geração eólica, conversou com os agricultores locais que buscavam qualquer opção para tirá-los daquela situação vulnerável.

Energia descentralizada e verde foi a solução. Já durante a construção de 4 pequenos aerogeradores, houve redução no desemprego instantânea. Em seguida, com os custos de eletricidade e a renda gerada pela venda de energia, o vilarejo investiu também em uma usina de biogás e outra fotovoltaica. Paralelamente, foi desenvolvido um software que ajudava os moradores a otimizar o uso do biogás, recurso mais caro para momentos em que não havia vento, tampouco Sol. Em outras palavras, ter clareza sobre o custo das fontes trouxe a consciência energética para o vilarejo.

Com toda a oferta disponível pela geração distribuída na região, Feldhein passou a ser exportadora de energia e se viu livre da situação crítica socioeconômica em que se encontrava. Além disso, a tarifa de energia de seus moradores passou a ser 30% menor que a média alemã. Esse é um exemplo do poder da descentralização e da democratização de acesso à energia renovável tanto para redução de custos de energia quanto para desenvolvimento social.

O Brasil vive situações socioeconômicas semelhantes, com taxa de desemprego a 14%, o equivalente à população total da Bélgica. Também é sabido que a maior parte dos empregos nacionais são em pequenos e médios negócios. Justamente o público mais impactado pela pandemia.

Para sobreviver, esses pequenos negócios precisam ter controle de caixa e maior gerenciamento sobre as suas próprias contas. A única opção para essas empresas ter um papel proativo sobre a própria conta de luz hoje é por meio da Geração Distribuída (GD), a qual engloba a modalidade Geração Compartilhada.

Dentro desse espectro, a Geração Compartilhada ocupa um lugar essencial para quem não tem condições de investimento, financiamento ou simplesmente espaço disponível (para a instalação de placas solares, por exemplo). Essa opção dá poder para os consumidores terem mais previsibilidade com gastos evitando, por exemplo, aumentos repentinos superiores a 10% na ocasião de aplicação de bandeiras tarifárias. Isso significa mais chance de sobrevivência dos maiores empregadores do País.

Uma consequência direta do poder de gerir os custos com energia é a consciência energética, fato semelhante com a necessidade de otimização de custos de geração vivenciado em Feldhein. Jogar luz sobre a fatura de energia atiça curiosidade sobre o funcionamento do setor de energia e dá senso de protagonismo para os consumidores no Brasil. Esta é a ferramenta mais poderosa para a racionalização do uso de energia.

2001 foi exemplo prático da aplicação de consciência energética. Na época, o racionamento não foi ação de corte predeterminado, mas sim campanha massiva para redução de hábitos de consumo com multas para quem não atingisse a meta de redução. Após vencida a crise, o padrão de consumo mudou e o país levou 8 anos para voltar ao padrão anterior. O resultado foi a população engajada e fôlego para ultrapassar aquela crise com participação ativa dos consumidores de energia.

Infelizmente, tornou-se cotidiano esperar por escassez de água em determinadas épocas do ano. Ocorre que, no momento atual, estamos passando por uma grave crise hídrica ocasionada por externalidades globais e locais, como mudança climática, esgotamento no uso de recursos hídricos, volume de chuvas, entre outros. Soma-se a ela a escassez de grandes hidrelétricas e a dificuldade de importação de energia da Argentina (majoritariamente não renovável), que representa aproximadamente 2.250 MW. O resultado prático dessa soma de fatores é múltiplo: ativação de termelétricas e acionamento da bandeira tarifária por períodos mais longos.

Deve existir, aqui, um ponto de atenção importante no que diz respeito ao que a geração compartilhada (e a descentralização que ela provoca) pode fazer para melhorar nesse cenário de escassez e até esgotamento de recursos hídricos.

Hoje, a Geração Compartilhada representa 60 MW de potência instalada. Menos do que 1% da geração distribuída no Brasil e menos que 0,003% da matriz elétrica nacional.

É extremamente difícil estimar a potência máxima que o Brasil poderia instalar e produzir na Geração Distribuída e Compartilhada, mas vale observar um fato simples que nos permite ter ideia de onde podemos chegar. A Alemanha possui cerca de 12% de sua matriz energética advinda da energia solar fotovoltaica, contra 2% no Brasil, sendo que a região Alemã de maior incidência solar recebe aproximadamente 40% menos radiação do que a região do Brasil com menor incidência. Sem falar do potencial eólico, biogás e outras fontes sustentáveis e renováveis. Considerando o crescimento estimado pela EPE, a geração distribuída poderá ocupar um espaço 6 vezes maior até 2030. Porém, com potencial de crescimento pode ser ainda maior quando comparado ao crescimento recente. Apenas no ano de 2020 foi instalado 42% da capacidade atual do Brasil dessa modalidade, hoje 6 GW.

Comparando a GD com a Geração Centralizada, em 2020, a GD representou 60% (com 4.654 MW) da potência instalada de energia solar fotovoltaica no país, superando a da Geração Centralizada – o número triplicou em relação ao ano anterior, quando ocupava 46% do total, com 2.119 MW. Isso mostra que temos um caminho aberto e cada vez mais poderoso para descentralizar e democratizar a geração de energia por meio da Geração Distribuída e, junto com ela, a geração compartilhada.

Em 2021, a perspectiva é que a Geração Distribuída cresça 90%, chegando a 8,3 GW e gere pelo menos 120 mil vagas de emprego diretos. Em termos financeiros, a expectativa de investimento é de R$17,2 bi na GD. O resultado desse investimento, somado a outros fatores que podem potencializar ainda mais a descentralização é, naturalmente e invariavelmente, o crescimento da geração compartilhada.

Adicionalmente ao impacto direto nas pequenas empresas ainda temos externalidades sociais importantes como a geração de empregos diretos da Geração Distribuída que é a fonte de energia com maior densidade de empregos por MW instalado, 30. Para ilustrar, temos em Minas Gerais um exemplo da cidade de Pirapora. Desde que a Aneel permitiu a modalidade remota, a cidade, que possui várias unidades geradoras nesse formato, teve seu PIB per capita duplicado.

A prerrogativa de democratizar o acesso à geração própria de energia para todos é intrínseca à modalidade aqui em destaque. Hoje, ela ainda é insignificante porque o custo operacional e de gestão de tantos consumidores no varejo é um desafio tecnológico e o setor elétrico brasileiro ainda dá os primeiros passos de digitalização e empresas de tecnologia dedicadas.

Existe também um fator pouco explorado que é a complexidade jurídica na estrutura da geração compartilhada, já que essa exige a organização de pessoas e/ou empresas em cooperativas ou consórcios, o que pode ser altamente custoso no que diz respeito à gestão operacional. Não apenas da composição desses instrumentos, mas também da alocação de energia mês a mês, auditoria dos valores exercidos, dentre outras complexidades do sistema de cobrança de energia elétrica.

Complementarmente, a descentralização ocupa um papel fundamental na restauração necessária dos ambientes altamente impactados por grandes instalações. A produção econômica pode ocorrer de forma mais harmônica, com impactos sociais positivos e ambientalmente neutros. Podem haver transformações diversas e bastante positivas a partir do momento em que se atinja uma equação equilibrada entre políticas de fomento à natureza produtiva e economicamente interessantes.

Deixar a geração compartilhada existir significa democratizar o acesso tanto para consumidores quanto para geradores de pequeno porte. Assim, a descentralização da geração acontece por investimento privado com todas suas vantagens acessórias como redução de uso de água dos reservatórios, de perdas na transmissão e suavização de picos de consumo, provocando uma redução do custo global do setor.

Democratizar o acesso à energia renovável é parte fundamental para a retomada verde social, ambiental e energética.

O poder dessa solução se dá tanto pelo lado da oferta, viabilizada economicamente e com baixo impacto ao meio ambiente fomentada por meio de políticas de incentivo. Quanto pelo lado da demanda, que sente a necessidade de gerir e encontrar soluções consistentes de economia. Dessa forma, pequenas empresas de geração de energia se sentem mais seguras para investir em unidades de geração distribuída. Assim como pequenos consumidores passam a ter maior gerência sobre seus gastos. E o destaque de ganho é para o Brasil que ganha a poderosa consciência energética para nos consolidarmos como potência mundial de energia renovável. Extrapolando o exemplo do vilarejo de Feldhein para uma escala nacional em um país continental como o Brasil.


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